Zola, Émile
Notas Bibliográficas
ESPÍRITA

História fantástica, por Théophile Gautier

Na Revista de dezembro último dissemos algumas palavras sobre esse romance, aparecido em folhetins no Moniteur universel e que hoje está publicado em um volume. Lamentamos que o espaço não nos permita fazer-lhe uma análise mais detalhada e, sobretudo, citar algumas de suas passagens, cujas idéias são incontestavelmente bebidas na própria fonte do Espiritismo; como, certamente, a maior parte dos nossos leitores já o leu, o relato detalhado seria supérfluo. Diremos apenas que a parte consagrada ao fantástico é certamente um pouco grande e que não se deve tomar todos os fatos ao pé da letra; não se trata, absolutamente, de um tratado de Espiritismo. A verdade está no fundo das idéias e pensamentos, que são essencialmente espíritas e narrados com uma delicadeza e uma graça encantadoras, muito mais que nos fatos, cuja possibilidade por vezes é contestável. Embora romance, esta obra não deixa de ter grande importância, primeiro pelo nome do autor, e porque é a primeira obra capital saída dos escritores da imprensa, onde a idéia espírita é afirmada sem rodeios, e surgida no momento em que parecia um desmentido lançado na onda de ataques dirigidos contra esta idéia. A forma mesma do romance tinha sua utilidade; certamente era preferível, como transição, à forma doutrinária, de estilo severo. Graças a uma leveza aparente, penetrou em toda parte e, com ele, a idéia.

Embora Théophile Gautier seja um dos autores favoritos da imprensa, esta foi, contrariamente a seus hábitos, de uma sobriedade parcimoniosa a respeito desta última obra. Não sabia se devia louvá-lo ou censurá-lo. Censurar Théophile Gautier, um amigo, um confrade, um escritor amado do público; dizer que tinha feito uma obra absurda era coisa difícil; louvar a obra era enaltecer a idéia; guardar silêncio a respeito de um nome popular teria sido uma afronta. A forma romanesca levantou o embaraço; permitiu dizer que o autor tinha feito uma bela obra de imaginação, e não de convicção. Falaram, mas falaram pouco. É assim que com a própria incredulidade há acomodações. Notou-se uma coisa muito singular: no dia em que a obra apareceu em volume, havia em todos os livreiros cartazes expostos no exterior; alguns dias depois todos os cartazes haviam desaparecido.

Nos discretos e raros noticiários dos jornais, encontram-se confissões significativas, sem dúvida saídas por descuido da pena do escritor. No Courrier du Monde illustré de 16 de dezembro de 1865, lê-se o seguinte:

“É preciso crer, sem duvidar, sem professar a doutrina, sem mesmo ter sondado muito essas insondáveis questões de Espiritismo e sonambulismo, que o poeta Théophile Gautier, só pela intuição de seu gênio poético, acertou na mosca, fugiu com o dinheiro do caixa e encontrou o abre-te Sésamo das evocações misteriosas, porque o romance que publicou em folhetins no Moniteur, sob o título de Espírita, agitou violentamente todos os que se ocupam dessas perigosas questões. A emoção foi imensa e, para lhe avaliar todo o alcance, somos obrigados a percorrer, como o fazemos, os jornais da Europa inteira.

“Toda a Alemanha espírita levantou-se como um só homem, e como todos os que vivem na contemplação de uma idéia só têm olhos e ouvidos para ela, um dos órgãos mais sérios da Áustria pretende que o imperador encomendou a Théophile
Gautier esse prodigioso romance, a fim de desviar a atenção da França das questões políticas. Primeira asserção, cujo alcance não exagero. A segunda asserção chocou-me por causa de seu lado fantástico.

“Segundo a folha alemã, o poeta da Comédie de la Mort, muito agitado em conseqüência de uma visão, teria adoecido gravemente e sido levado para Genebra. Ali, dominado pela febre, teria sido forçado a guardar o leito durante várias semanas, vítima de estranhos pesadelos, de alucinações luminosas, joguete
constante de Espíritos errantes. Pela manhã teriam encontrado ao pé da cama as folhas esparsas de seu manuscrito Espírita.

“Sem atribuir à inspiração que guiou a pena do autor de Avatar uma fonte tão fantástica, cremos firmemente que uma vez entrado em seu assunto, o escritor do Roman de la Momie ter-se-ia extasiado com essas visões, e que no paroxismo terá traçado essa descrição admirável do céu, que é uma de suas mais belas páginas.

“A correspondência que deu origem à publicação de Espírita é extremamente curiosa. Lamentamos que um sentimento de conveniência não nos tenha permitido pedir cópia de uma das cartas recebidas pelo poeta dos Émaux et camées.”

Aqui não fazemos crítica literária, senão poderíamos achar de duvidoso bom-gosto a espécie de catálogo de que se prevalece o autor para colocar em seu artigo, que, aliás, nos parece pecar um pouco por falta de clareza. Confessamos não ter compreendido a frase sobre o dinheiro do caixa6; contudo ela é citada textualmente. Isto talvez se deva à dificuldade de explicar onde o célebre romancista hauriu semelhantes idéias, e como ousou apresentá-las sem rir. Mas o que é mais importante é a confissão da sensação produzida por essa obra na Europa inteira. É preciso, pois, que a idéia espírita esteja bem vivaz e bem espalhada; não é, pois, um aborto frustrado. Quantas pessoas são colocadas pelos nossos adversários, de uma penada, na categoria dos cretinos e dos idiotas! Felizmente seu julgamento não é definitivo. Os Srs. Jaubert, Bonnamy e muitos outros recorrem da sentença.

O autor qualifica essas questões de perigosas. Mas, segundo ele e seus irmãos de cepticismo, são quimeras ridículas. Ora, o que uma quimera pode ter de perigoso para a sociedade? De duas, uma: há ou não há no fundo de tudo isto algo de sério. Se nada há, onde o perigo? Se no princípio se tivesse dado ouvidos a todos os que declararam perigosas a maior parte das grandes verdades que hoje brilham, onde o progresso? A verdade não tem perigos senão para os poltrões, que não ousam encará-la de frente, e para os interesseiros.

Um fato menos grave, que vários jornais se apressaram em reproduzir, como se fosse provado, é que o imperador teria encomendado esse prodigioso romance para desviar a atenção da França das questões políticas. Evidentemente não passa de uma suposição, porquanto, admitindo a realidade dessa origem, não é presumível que a tivessem divulgado. Mas essa própria suposição é uma confissão da força da idéia espírita, pois reconhecem que um soberano, o maior político de nossos dias, pôde julgá-la adequada para produzir semelhante resultado. Se tal pudesse ter sido o pensamento que presidiu à execução dessa obra, parece-nos que a coisa seria supérflua, porque apareceu justamente no momento em 6 N. do T.: No original: manger la grenouille, expressão idiomática que, em nossa língua, corresponde a fugir com o dinheiro do caixa. que os jornais disputavam a primazia de chamar atenção, pelo barulho que faziam a propósito dos irmãos Davenport.

O que há de mais claro em tudo isto é que os detratores do Espiritismo não podem explicar a prodigiosa rapidez do progresso da idéia, a despeito de tudo quanto fazem para o deter. Não podendo negar o fato, que cada dia se torna mais evidente, empenham-se em procurar a causa em toda parte onde não está, na esperança de lhe atenuar o alcance.

Num artigo intitulado: Livros de hoje e de amanhã, assinado por Émile Zola, o Evénement de 16 de fevereiro dá um resumo muito exíguo do assunto da obra em questão, acompanhado das seguintes reflexões:

“Ultimamente o Moniteur deu uma novela fantástica de Théophile Gautier: Espírita, que a livraria Charpentier acaba de publicar em um volume.

“A obra é para a maior glória dos Davenport. Ela nos faz passear no país dos Espíritos, mostra-nos o invisível, revela-nos o desconhecido. O jornal oficial deu os boletins do outro mundo.

“Mas eu desconfio da fé de Théophile Gautier. Ele tem uma bonomia irônica que cheira a incredulidade a uma légua. Suspeito que ele entrou no invisível pelo único prazer de descrever a seu modo horizontes imaginários.

“No fundo, ele não acredita numa palavra das histórias que conta, mas se deleita em contá-las e os leitores gostarão de ler. Tudo é, pois, para o melhor, na melhor das incredulidades possíveis.

“Não importa o que escreva, Théophile Gautier é sempre escritor pitoresco e poeta original. Se acreditasse no que diz, seria perfeito, e isto talvez fosse uma pena.

Quantas pessoas repelem as crenças espíritas, não pelo temor de se tornarem perfeitas, mas simplesmente pelo de serem obrigadas a emendar-se! Os Espíritos lhes causam medo porque falam do outro mundo e este tem terrores para elas. É por isto que tapam os olhos e os ouvidos.

A MULHER DO ESPÍRITA

Por Ange de Kéraniou

Sobre esta obra o Evénement de 19 de fevereiro traz o seguinte artigo, assinado, como o precedente, por Zola:

“Decididamente, os romancistas de curta imaginação nestes tempos de produção incessante, vão recorrer ao Espiritismo para encontrar assuntos novos e bizarros. Em meu último artigo falei do Espírita, de Théophile Gautier; hoje venho anunciar o
lançamento, pela casa Lemer, da Mulher do Espírita, por Ange de Kéranion.

“Talvez o Espiritismo venha fornecer ao gênio francês o maravilhoso necessário a toda epopéia bem condicionada.

“Os Davenport nos terão assim trazido um dos elementos do poema épico que a literatura francesa ainda espera.

“O livro do Sr. Kéraniou é um tanto verboso; não se sabe se ridiculariza ou fala sério; mas é cheio de detalhes curiosos que dele fazem uma obra interessante para folhear.

“O Conde Humbert de Luzy, um espírita emérito, uma espécie de Anticristo, que faz as mesas dançar, casou-se com uma jovem a quem, naturalmente, inspira um medo horrível.

“A jovem mulher, era de esperar, quer arranjar um amante. É aqui que a história se torna verdadeiramente original. Os Espíritos assumem o papel de guarda de honra do marido e, em duas ocasiões, em circunstâncias desesperadoras, salvam essa honra com o auxílio de aparições e tremores de terra.

“Se eu fosse casado, tornar-me-ia espírita.”

Decididamente a idéia espírita faz sua entrada na imprensa pelo romance. Aí entra enfeitada: a verdade nua e crua chocaria esses senhores. Só conhecemos esta nova obra pelo artigo acima e, assim, nada podemos dizer. Apenas constataremos que o autor desta crítica, talvez sem lhe ter visto o alcance, enuncia uma grande e fecunda verdade, a de que a literatura e as artes encontrarão no Espiritismo uma rica mina a explorar. Nós o dissemos há muito tempo: um dia haverá a arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã. Sim, o poeta, o literato, o pintor, o escultor, o músico, o próprio arquiteto colherão a mancheias, nesta nova fonte, temas de sublime inspiração quando tiverem explorado alhures, e não no fundo de um armário. Théophile Gautier foi o primeiro a entrar na liça por uma obra capital, cheia de poesia; sem dúvida terá imitadores.

“Talvez o Espiritismo vá fornecer os elementos do poema épico que a literatura francesa ainda espera.” Já não seria um resultado tão forte para desdenhar. (Vide Revista Espírita de dezembro de 1860: A arte espírita, a arte pagã e arte cristã).

FORÇAS NATURAIS DESCONHECIDAS7

Por Hermès

Este não é mais romance. É uma refutação, do ponto de vista da Ciência, das críticas dirigidas contra os fenômenos espíritas, a propósito dos irmãos Davenport, e da assimilação que pretendem estabelecer entre esses fenômenos e as artimanhas da prestidigitação. O autor leva em conta o charlatanismo, que desliza 7 Brochura in-18. Preço: 1 fr. – Livraria Didier. em tudo, e as condições desfavoráveis nas quais se apresentaram os Davenport, condições que não procura justificar; examina os próprios fenômenos, abstração feita das pessoas, e fala com a autoridade de um especialista. Aceita o desafio lançado por uma parte da imprensa nesta circunstância, e estigmatiza suas excentricidades de linguagem, que traduz à luz do bom-senso, mostrando até que ponto ela se afastou de uma discussão leal. Podemos não partilhar o sentimento do autor sobre todos os pontos, mas não deixamos de dizer que o seu livro é uma refutação difícil de contestar; por isso a imprensa em geral silenciou sobre o assunto. Contudo, o Evénement de 1o de fevereiro o relatou nestes termos:

“Tenho em mãos um livro que deveria ter aparecido no outono passado. Trata dos Davenport. O livro, assinado pelo pseudônimo de ‘Hermès’, tem por título: Forças naturais desconhecidas, e pretende que devíamos aceitar o armário e os dois irmãos, porque nossos sentidos são débeis e não podemos explicar tudo na Natureza. Inútil dizer que o livro foi editado pela livraria Didier.

“Eu não falaria destas folhas que se enganam de estação, se não contivessem um violento requisitório contra a imprensa parisiense inteira. O Sr. Hermès narra seus fatos claramente aos redatores do Opinion, do Temps, da France, do Fígaro, do Petit Journal, etc. Eles foram insolentes e cruéis e sua máfé só não foi maior que a sua tolice. Se não compreendiam não deviam falar. Ignorância, falsidade, grosseria, esses jornalistas cometeram todos os crimes.

“O Sr. Hermès é muito duro. Louis Ulbach é chamado ‘o homem dos óculos’, injúria atroz. Edmond About, que havia perguntado qual a diferença entre os médiuns e o Dr. Lapommerais, recebeu o troco largamente. O Sr. Hermès declara
‘que não é de admirar que certos amadores de trocadilhos tenham arrastado à flor do solo o nome de seu gracioso contraditor.’ Sentis toda a delicadeza desse jogo de palavras?

“O Sr. Hermès acaba por confessar que vive num jardim retirado e que só se preocupa com a verdade. Seria preferível que vivesse na rua e que tivesse toda a calma e toda a caridade cristã da solidão.”

Não é curioso ver esses senhores dar lições teóricas de calma e de caridade cristã àqueles a quem injuriam gratuitamente e achar mal que lhes respondam? E, contudo, não censurarão o Sr. Hermès por falta de moderação, desde que, por excesso de consideração, não cita nenhum nome próprio. É verdade que as citações, assim grupadas, formam um buquê muito pouco gracioso. De quem é a falta se esse buquê não exala um perfume de urbanidade e de bom-gosto? Para ter direito de se queixar de algumas apreciações um tanto severas, seria preciso não as provocar.

Allan Kardec

R.E. , março de 1866, p. 130